Em 1955, o Belenenses tornou-se no primeiro e único clube da história do futebol português a perder o título de campeão nacional, depois de entrar na última jornada como líder da prova, entregando-o ao rival Benfica.
Os adeptos ''encarnados'' vibraram com a conquista obtida na derradeira ronda e agradeceram de forma curiosa ao rival Sporting, que arrancou o empate frente aos ''azuis'', nos últimos minutos, oferecendo o título ao rival.
''Os benfiquistas que exteriorizando a sua enorme alegria, foram até à Rua do Passadiço, fazer uma manifestação frente à sede do Sporting, vitoriando entusiasticamente o clube leonino'', podia ler-se no jornal Record do dia seguinte.
O jornal adiantava ainda que, durante a celebração, os benfiquistas ''depositaram várias quantias na 'Taça Mealheiro' destinadas à construção do estádio leonino'', algo impensável na atualidade, tendo em conta a extremada rivalidade que se vive.
Atendendo à história das anteriores 75 edições do campeonato nacional de futebol, apenas por uma vez o primeiro classificado à partida para a última jornada não festejou o título de campeão no final da prova.
Corria o ano de 1955 (época 1954-55), quando os três rivais lisboetas, Belenenses, Benfica e Sporting, chegavam todos à última jornada com condições de vencer a 21.ª edição da mais importante prova do calendário português.
Os ''azuis'', que comandavam o ''nacional'', com 38 pontos, seguidos de perto por Benfica, 37, e Sporting, 36, recebiam os ''leões'', no antigo Campo das Salésias, enquanto o Benfica era anfitrião perante o Atlético.
''O jogo mais sensacional de um grande campeonato'', escrevia, na véspera, o jornal A Bola, sobre o encontro entre ''azuis'' e ''leões'', enquanto o Record fazia referência aos ''cinco contos como prémio aos jogadores do Belenenses, se vencerem o campeonato''.
A convicção da conquista belenense era tanta que o próprio presidente do Benfica, Joaquim Ferreira Bogalho afirmava: ''O Belenenses será campeão. Quanto à carreira do Benfica, considero-a isenta de sorte''.
''Podemos e merecemos ganhar o campeonato'', dizia o presidente da direção do Belenenses, o Capitão Pascoal Rodrigues.
Já o diretor da secção de futebol do Sporting, César Vitorino, recusava quaisquer ''artimanhas'' da parte dos ''leões'' para impedir o grande rival, Benfica, de se sagrar campeão: ''O Sporting vai jogar como pode e sabe.''
O dia 25 de abril de 1955 era o dia de todas as decisões e o jornal A Bola dava grande destaque ao confronto entre os três rivais lisboetas: ''O último dia do Nacional visto de véspera. Drama como nunca no baixar do pano.''
O jornal desportivo revelava ainda a esperança que os benfiquistas depositavam no adversário verde e branco para contrariar o maior favoritismo belenense: ''A gente do Benfica confia no Sporting.''
O Mundo Desportivo sublinhava que ''na calma de Colares os jogadores do Belenenses têm um só pensamento - vitória'', num texto adjacente à fotografia de Matateu, excecional avançado e figura dos ''azuis'', sentado de forma descontraída na relva.
Com os dois estádios ''apinhados'' de gente crente e apaixonada, como se pode comprovar pelas fotografias que ilustravam os dois encontros, a festa belenense estava praticamente assegurada.
A quatro minutos do fim, e apesar da vantagem das ''águias'' sobre o Atlético (3-0), a formação belenense vencia por 2-1, até que um autêntico balde de água fria proporcionado pelo golo do sportinguista Martins, caiu sobre os entusiasmados adeptos belenenses.
''A quatro minutos do fim, culminou a infelicidade belenense com golo de Martins, que tirou o título aos 'azuis''', escrevia o Mundo Desportivo, enquanto o Record assinalava a fatalidade que assolou os corações belenenses: ''Era o empate e com ele o derruir do que já se tinha como certo.''
''Quando se entrou nos cinco minutos finais, os 'azuis' jogavam 'jogo aberto', não repetindo a prudência com que haviam iniciado o segundo tempo'', podia ler-se na crónica do Record, que ainda analisava o desempenho do ''carrasco'' do Belenenses.
''Martins - o homem que teve o azar (para o Belenenses) de marcar o golo do empate. Foi a nota saliente do novo nº 10 do Sporting''.
''Empatámos bem. À modificação do resultado na parte final da partida, cabem as culpas, todas inteirinhas, ao Belenenses, que não soube agarrar-se à vitória que teve nas mãos. Não tenho que estar de mal com a minha consciência de jogador de futebol, antes pelo contrário'', dizia o avançado sportinguista.
Em contraste com a desilusão belenense, a festa invadia o antigo Estádio da Luz, depois de um ''bis'' de Águas e de uma infelicidade de um defesa adversário: ''Um tento de Germano nas próprias redes apressou uma vitória absolutamente merecida'', lia-se no Mundo Desportivo.
''Campeonato arrasante, final dramático. Equipa do Sport Lisboa e Benfica depois de cinco anos de espera conquistou mais um título'', fazia manchete na capa do Record, que ainda destacava os dois golos de Águas e a presença do ''jovem'' Coluna na equipa campeã.
Já o jornal A Bola salientava a festa ''encarnada'' e o desespero ''azul'': ''Loucura na Luz. Depois de muito sofrer chorou-se de alegria'', ''Golpe de teatro num Nacional de sensação'', ''As trevas comeram o sol, drama nas Salésias''.
Além da falta de ''fortuna'', também o árbitro da partida entre ''azuis'' e ''leões'', o portuense Domingos Miranda, era alvo de todas as atenções, após a marcação de uma grande penalidade a favor do Sporting, castigando mão de Pires, e que daria o empate 1-1, ainda na primeira parte.
''Foi um árbitro infeliz, mas não favoreceu o Sporting, favoreceu o Benfica'', dizia um adepto do Belenenses, no dia seguinte ao encontro, enquanto o Record analisava que ''alguns jogadores não facilitaram a arbitragem'' e apontava o juiz portuense como ''vítima das circunstâncias'', aproveitando para relatar ''as agressões de que foi alvo no final do encontro''.
''Entendo-o [o resultado] justo. O Belenenses não ganhou o encontro mais por culpa própria que por qualquer outro motivo. Se a quatro minutos do fim se encontrava em vencedor, parece-me que estava indicado o caminho a seguir'', dizia Domingos Miranda.
Após a confiança na véspera, Pascoal Rodrigues era a voz do desalento belenense: ''É desolador perder-se um campeonato a 4 minutos do fim.''
O empate nas Salésias e o triunfo na Luz, permitiram aos ''encarnados'' terminar no primeiro lugar, com 39 pontos, ''ex-aequo'' com o Belenenses, mas beneficiando de um melhor registo na diferença de golos - 61-20 para os benfiquistas e 63-28 para os ''azuis''.